Capoeira

SÉCULO XVIII - A ESCRAVIDÃO URBANA

Começa no Brasil a atividade cafeeira, com a plantação das primeiras mudas de café por Palheta no Rio de Janeiro, no vale do Paraíba, dirigindo-se daí para São Paulo. Além do açúcar e da recém-implantação da cafeicultura e da mineração, começa efetivamente, com o crescimento das cidades, a vida urbana, surgindo então outro tipo de escravidão: o escravo doméstico.

A presença do negro torna-se marcante, não só nas senzalas das plantações ou na mineração, mas também nas cidades, no comércio, nos mercados e nas praças públicas.

Não se sabe ao certo quando a capoeira surgiu, há alguns estudos que indicam as possibilidades, porém, o vocábulo capoeira teve seu primeiro registro em 1712, no Vocabulário Português e Latino, de Rafael Bluteau, mas os significados do termo não se referem à luta.

É comum imaginar a capoeira nascendo e crescendo no ambiente rural, mas talvez tenha sido nas cidades, onde circulava livremente um grande número de libertos e “negros de ganho”, escravos que por conta própria exerciam alguma atividade e que ao fim do dia tinham de entregar uma quantia prefixada a seu proprietário, pois esse processo de crescimento e transformação foi mais expressivo.

Nessa época, houve uma grande locomoção de fazendeiros e seus filhos as capitais, principalmente no Rio de Janeiro, capital do Brasil, eles iam para fechar negócios ou estudar, e levavam seus escravos para servi-los neste novo ambiente.

A mais antiga referência de capoeira enquanto forma de luta, “segundo os melhores cronistas da época, data a capoeiragem em 1770, quando para cá andou o Vice-Rei Marquês do Lavradio. Dizem que o primeiro capoeira foi um tenente chamado João Moreira, homem rixento, motivo porque o povo o apelidava de ‘Amotinado’. Os negros escravos viam como o ‘Amotinado’ se defendia quando era atacado por quatro ou cinco homens, e aprenderam seus movimentos, aperfeiçoando-os e desdobrando-os em outros”.

Esse conhecimento de luta visto nas cidades teria voltado às senzalas com o vem e vai dos escravos e seus donos as fazendas, se misturando nas manifestações de festividades e momentos de laser dos negros, pois eles não poderiam deixar evidente essa articulação de luta.

Uma tradição Angolana que pode ter se misturado é o ritual chamado n'golo (que significa "zebra" em quimbundo), onde os jovens comemoram a iniciação da vida adulta durante uma cerimônia, onde os homens competem dando cabeçadas uns nos outros, regidas ao som do toque dos atabaques. O vencedor tinha o direito de escolher, uma noiva entre as jovens da tribo, sem ter de pagar o dote.

Em 25 de Abril de 1789, há a primeira menção da capoeira em registros policias no Brasil, na prisão de Adão, um escravo, acusado de ser “capoeira”, na capital do Rio de Janeiro.

 

SÉCULO XIX - AS MALTAS E A REPÚBLICA

Um ano após a chegada de D. João VI no Brasil, criou-se a Secretaria de Polícia e foi organizada a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia em 13 de maio de 1809, sendo nomeado para sua chefia o major Miguel Nunes Vidigal, perseguidor implacável dos candomblés, das rodas de samba e especialmente dos capoeiras.

Após 1820, são cada vez mais constantes as reclamações sobre vadiação, malandragem e brigas envolvendo capoeiras por todas as capitais do Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, com isso a repressão ficava cada vez mais intensa, assim como as punições.

Mas nem assim as ocorrências diminuíam, pelo contrário, eram cada vez mais numerosos e temidos os capoeiras que se reuniam em bandos, que passaram a ser conhecidos como “maltas”, compostas principalmente de negros e mulatos, alguns brancos também se faziam presentes. Essas maltas passaram a ser conhecidas conforme sua localidade, malta da Freguesia de Santana, malta da Gloria, malta da Lapa, malta de São Francisco, malta de São José e etc.

Os capoeiras das maltas introduziram o uso da bengala e da navalha em suas lutas, a navalha era utilizada posicionada entre os dedos dos pés, ou presa a um cordão, sendo esta técnica conhecida como navalha voadora. Isso intensificou as ocorrências de agressão e mortes nos confrontos entre as maltas.

Não sabemos ao certo, quando o berimbau foi introduzido na capoeira, porém em 1826, o francês Debret retratou o tocador de berimbau. Nessa época o berimbau foi muito utilizado para disfarçar o jogo da capoeira em dança e alertar a chegada do esquadrão de cavalaria da polícia que se aproximava, simulando no toque o trote dos cavalos.

O primeiro registro gráfico do jogo da capoeira aconteceu por volta de 1830, quando o alemão Rugendas, em viagem ao Brasil para a montagem do livro Voyage Pittoresque et Historique dans le Brésil, retrata o jogo de capoeira, em sua gravura Jogar capoeira ou Danse de la guerre, essa é a mais antiga reprodução gráfica do jogo da capoeira que se tem conhecimento.

Devido à violência e à criminalidade, as maltas e os capoeiras foram duramente reprimidos no Rio de Janeiro. Apesar dos capoeiras terem um papel heroico na Revolta dos Mercenários em 1828 e na Guerra do Paraguai na década de 1860.

Paralelo a isso, a região Sul do Brasil passou a empregar cada vez mais trabalhadores assalariados brasileiros e imigrantes estrangeiros, a partir de 1870. Na região Norte, as usinas produtoras de açúcar substituíram os primitivos engenhos, fato que possibilitou o uso de um número menor de escravos. Já nos principais centros urbanos, era grande a necessidade do surgimento de indústrias, porém, visando não causar prejuízo financeiro aos proprietários rurais.

A primeira etapa do processo foi tomada em 1850, com a extinção do tráfico de escravos no Brasil. Vinte e um anos mais tarde, em de 28 de setembro de 1871, foi promulgada a Lei do Ventre-Livre. Esta lei tornava livres os filhos de escravos que nascessem a partir da decretação da lei.

No ano de 1885, foi promulgada a lei Saraiva-Cotegipe (também conhecida como Lei dos Sexagenários) que beneficiava os negros com mais de 65 anos de idade.

Foi somente em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, que a liberdade total e definitiva finalmente foi alcançada pelos negros brasileiros. Esta lei, assinada pela Princesa Isabel (filha de D. Pedro II), abolia de vez a escravidão no Brasil.

A Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 ocorreu na Praça da Aclamação (atual Praça da República), na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, quando um grupo de militares do exército brasileiro, liderados pelo marechal Manuel Deodoro da Fonseca, destituiu o imperador D. Pedro II no país.

Governo Republicano continuou a política de repressão à capoeira do período Imperial, deportando os capoeiras considerados criminosos para o Arquipélago de Fernando de Noronha. No ano seguinte, editou o Decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890, criminalizando a prática da capoeira.

No período da Proclamação da República as duas grandes maltas eram: os Nagoas e os Guaiamús.

 

SÉCULO XX - A CAPOEIRA METODIZADA, LUTA BRASILEIRA

No Rio de Janeiro, no ano de 1907, surge um livreto denominado Guia do Capoeira ou Gymnástica Nacional assinado como “O.D.C.” (Ofereço, Dedico e Consagro), que trazia a seguinte introdução:

“Atualmente, o capoeira é representado pelo desgraçado vagabundo, trouxa, cachaça, gatuno, faquista ou navalhista, conhecido por alcunha que lhe garante a maior facilidade de entrada no xadrez policial! Assim, o maior insulto para inutilizar contra um jovem é chamá-lo de capoeira.

Foi, sem dúvida, nosso empenho levantar a Gymnastica Brasileira do abatimento em que jaz, nivelando-a como singularidade pátria, ao soco inglês, à savate francesa, à luta alemã, às corridas e jogos tão decantados em outros países. Nossa briosa mocidade hoje desconhece, pela maior parte, os trabalhos da arte antiga, e por isso nós resolvemos publicar o presente guia.”


O folheto era dividido em 5 partes:
1) Posições;
2) Negaças;
3) Pancadas Simples;
4) Defesas Relativas;
5) Pancadas Afiançadas.

As lutas importadas ganharam notoriedade e importância no cenário brasileiro, em maio de 1909, chega ao Rio de Janeiro um professor e campeão japonês de Jiu-Jitsu, Sado Miyako, a convite da Marinha de Guerra do Brasil para ensinar a arte aos marinheiros. Isso instigou um grupo de acadêmicos de medicina, para que ocorresse um desafio entre a luta japonesa e a capoeira brasileira, indicando como representante brasileiro o capoeirista Francisco da Silva Cyríaco, mais conhecido como Cyríaco Macaco Velho que ensinava capoeira para alguns desses acadêmicos. O embate sofreu relutância por parte das autoridades, mas por ter sido orquestrada por pessoas com influência no governo, obteve liberação para ser realizado no tablado do Concerto Avenida, com ata de combate regida pela Confederação Brasileira de Pugilismo.

A vitória do capoeira sobre o japonês, com um único e fulminante rabo de arraia que deixou o adversário desacordado, repercutiu e foi relatado em jornais, como o Careta.

As maltas passariam a perder espaço e força, e os capoeiristas tentam desvincular a capoeira do lado marginal, começam a surgir às pequenas academias de capoeira, porém, rotuladas com nomes que sugerem espaços comunitários, danças e manifestações folclóricas pelo Brasil, no Recife surge o frevo, essas ações fizeram com que a capoeira fosse menos perseguida e pudesse sobreviver.

Em 1928 no Rio de Janeiro, Annibal Burlamaqui publica Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada, um trabalho ilustrado com os principais golpes de capoeira, porém, tendo um visão voltada para um método de ginástica e a pratica do jogo desportivo.

Em 1930 na Bahia, Mestre Bimba cria uma nova concepção de capoeira, ao retirar alguns golpes da capoeira tradicional Angola, e acrescentar novos golpes modificados com base em outras artes marciais, com movimentos mais rápidos, surge aí a Luta Regional Baiana, mais tarde chamada de Capoeira Regional. Este novo método criado por Bimba, ganhou aceitação e muitos adeptos.

Em 5 de novembro de 1933 é fundado o Departamento de Luta Brasileira (Capoeiragem) da Federação Carioca de Pugilismo.

Em 4 de novembro 1936 é fundado o Departamento de Luta Brasileira (Capoeiragem) da Federação Paulista de Pugilismo.

Em 1941, o presidente Getúlio Vargas finalmente cria o Departamento Nacional de Luta Brasileira (Capoeiragem), departamento pertencente à Confederação Brasileira de Pugilismo com o Decreto Federal 3 199/41.

Em 1953, após uma apresentação de Bimba e seus alunos em Salvador para o Governo Baiano, com a presença do então presidente da República, Getúlio Vargas, o presidente deixa registrada a seguinte frase: “A capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional”.

Entre 1968 e 1969, é realizado o I e II Simpósio sobre Capoeira, promovido pela comissão de desportos da Aeronáutica, na AFA, em Campo dos Afonsos - RJ, com a presença de pessoas de renome e Mestres de Capoeira, principalmente dos estados do Rio de Janeiro, da Bahia e de São Paulo.

Essas iniciativas foram fundamentais para uma mudança de postura de pensamentos. Finalmente, em 26 de dezembro de 1972, o Regulamento Técnico da Capoeira foi aprovado pelo Conselho Nacional de Desportos e reconhecido pelo MEC, saindo do código penal brasileiro como contravenção, passando a sua prática e manifestação ser livre.

Fonte: http://www.rodadecapoeira.com.br/artigo/O-que-e-Capoeira/0